Um Encontro Histórico em Barro: “Zé Povinho abraça a República”
Por ocasião do aniversário da implantação da República Portuguesa (5 de outubro 1910), o Museu apresenta um singular tinteiro, da década de 1910, retratando um abraço emblemático entre duas figuras centrais do imaginário republicano: a personificação da “República” e o "Zé Povinho".
Personagens e símbolos de uma revolução
Este tinteiro apresenta a “República” como uma jovem mulher de cabelos soltos, vestindo túnica vermelha, barrete frígio e sandálias romanas. Na mão esquerda ergue a bandeira republicana verde e vermelha, com a inscrição "5 de outubro de 1910", e na direita empunha uma espada desembainhada de lâmina ensanguentada. Ela abraça o "Zé Povinho", personagem satírica criada em 1875 por Rafael Bordalo Pinheiro, que aparece caracterizado com barba, calças compridas, camisa de mangas arregaçadas e colete, erguendo o chapéu em saudação.
A composição é rica em elementos simbólicos da revolução republicana. Na base, um leão deitado com as patas dianteiras cruzadas representa a monarquia derrotada. De um lado, vê-se um canhão sobre rodas, evocando a artilharia que, na Rotunda de Lisboa, ajudou a sustentar a revolução. Do outro lado, destaca-se o escudo nacional e uma esfera armilar envolta por coroa de louros, com uma faixa onde se lê "Paz e Liberdade". Sob o escudo, duas folhas de palma homenageiam os mártires da causa republicana.
Da Oficina ao Museu
Moldado em barro vermelho nas Caldas da Rainha, na fábrica de José Alves Cunha, este tinteiro de 22 cm x12cm conserva ainda a sua policromia original, apesar da ausência de alguns elementos decorativos. A peça pode ser datada entre 1911, quando se oficializou a bandeira republicana, e 1916, ano em que o carimbo da fábrica é alterado para acrescentar a palavra “sucessor” (o que ainda não se verifica neste tinteiro). Em 2004, o objeto encontrou lugar na coleção do Museu Municipal de Tavira, integrando o espólio doado pelo benemérito José de Mendonça Furtado Januário (popularmente conhecido como “Zezinho de Beja”).
Conjugando arte, política e memória histórica num objeto de uso quotidiano, este tinteiro representa um importante testemunho da cultura material do período da implantação da República.
(Museu Municipal de Tavira, MMT2066)