Tesouro de bronze: a rara medalha que celebra Camões em duas pátrias
No mês em que se assinala o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o Museu Municipal de Tavira partilha uma medalha de dupla face cunhada em 1880, para assinalar o terceiro centenário da morte de Luís de Camões (c.1524-1580) e a colocação da 1ª pedra do edifício-sede do Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro.
Cunhada em Paris, por encomenda do supradito Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro, instituição cultural brasileira fundada em 1837, por um conjunto de 43 imigrantes portugueses que tinham como objetivo promover a cultura lusófona na então capital do Império do Brasil, esta medalha, datada de 1880, foi desenhada pelo escultor e medalhista parisiense Victor Prosper François Janvier (1851-1911).
Com 6,1 cm de diâmetro e cerca de 0,5 cm de espessura, esta peça foi fundida numa liga metálica (bronze) em que predomina o cobre (o que lhe confere uma inconfundível cor acobreada).
No anverso da medalha foi representado o busto de Luís de Camões, a três quartos, virado para a esquerda. Camões é representado com cabelo curto, encaracolado, barba farta e o olho direto fechado, envergando a característica gorjeira (gola de renda) à moda do século XVI. O busto, colocado em posição central, é envolvido por uma grande coroa de louros, símbolo da glória, elemento que geralmente costuma ser representado na cabeça do poeta. À direita, por fora da referida coroa de louros, foi inscrito o apelido JANVIER, que identifica o responsável pela gravação da medalha. Em torno da representação figurativa há uma inscrição, em linha circular, na qual se pode ler: TERCEIRO CENTENÁRIO DE CAMÕES – 10 DE JUNHO DE 1880.
No reverso foi representada o emblema oficial do Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro: um busto de Minerva, deusa romana da sabedoria (equivalente à grega Atena), representada de perfil, envergando uma couraça, com cabelos soltos e, na cabeça, o característico capacete guerreiro, neste caso ornamentado com uma representação de Pégaso, o mítico cavalo alado. Em torno desta representação há uma inscrição, em linha circular, dividida em dois níveis. No nível interior lê-se: GABINETE PORTUGUEZ DE LEITURA NO RIO DE JANEIRO. No nível exterior pode ler-se: ASSENTAMENTO DA PEDRA FUNDAMENTAL DO NOVO EDIFÍCIO. Sob o busto de Minerva descobre-se novamente o apelido do gravador Victor Janvier.
Como se depreende da leitura da respetiva legenda, esta medalha foi patenteada ao público a 10 de junho de 1880, no Rio de Janeiro, por ocasião da colocação da 1ª pedra do novo edifício do Gabinete Português de Leitura, cerimónia que foi presidida pelo próprio D. Pedro II (1831-1889), imperador do Brasil. O edifício em questão, cuja biblioteca é hoje considerada como uma das mais belas e monumentais bibliotecas históricas do mundo, foi desenhado pelo arquiteto português Rafael da Silva e Castro, em estilo neomanuelino, sendo a fachada decorada com estátuas de Pedro Álvares Cabral, do Infante D. Henrique, de Vasco da Gama e do próprio Luís de Camões.
No total foram cunhadas apenas 300 destas medalhas, incluindo 297 exemplares em bronze (liga metálica) e 3 em ouro. Em relação às medalhas de ouro, as mais exclusivas: uma ficou na coleção camoniana do Gabinete Português de Leitura, outra foi oferecida a D. Pedro II, imperador do Brasil, e a terceira a D. Luís I (1861-1889), rei de Portugal. No que respeita às medalhas de bronze, entra as quais se inclui a que hoje faz parte da coleção do Museu Municipal de Tavira, sabe-se que foram na sua totalidade distribuídas por instituições (bibliotecas, museus, sociedades, jornais, etc.) e pessoas ligadas à cultura, tanto no Brasil como em Portugal.
Foi também em 1880, quando no Brasil se cunhava esta medalha comemorativa, que em Portugal, por carta de lei datada de 20 de maio, o referido D. Luís I instituiu pela primeira vez o dia 10 de junho como uma “festa nacional e de grande gala”, por associação ao terceiro centenário da morte de Luís de Camões. A história desta medalha está, portanto, ligada à celebração de um dos nomes maiores da literatura lusófona, à difusão da cultura nacional junto das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo e àquilo que é a história do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas como um dos principais feriados nacionais.
Não se sabe exatamente como ou quando é que esta medalha chegou a Tavira, a que instituição ou individualidade foi originalmente oferecida ou sequer se ingressou na coleção do Museu Municipal por via de uma compra, doação ou legado, sabendo-se apenas que ela pertenceu anteriormente à coleção intitulada como a do “Cofre Municipal”.
Museu Municipal de Tavira, MMT3990.