Um bengaleiro com temática republicana

     No mês em que se assinala mais um aniversário da Implantação da República em Portugal, a 5 de outubro de 1910, o Museu Municipal de Tavira destaca um bengaleiro de parede com elementos articulados e invulgar decoração de temática republicana, datável do 1.º quartel do século XX.

     Os bengaleiros de parede fixavam-se geralmente à entrada dos edifícios e serviam para neles se pendurarem as bengalas, os guarda-chuvas, os abrigos e os chapéus dos frequentadores. Fabricado em madeira, este exemplar é constituído por uma moldura de formato elíptico, com orientação horizontal, pintada com verniz negro e decorada com elementos fitomórficos (folhas e flores) entalhados. Na parte superior há argolas de suspensão, em metal, enquanto na base da peça se descobrem três pequenos pinos salientes, com formato cilíndrico, que se destinariam a pendurar os objetos mais leves. Nas laterais dispõe de um par de elegantes e trabalhados braços articulados em forma de gancho, um de cada lado, que serviriam para suportar peças de maiores dimensões, incluindo as cartolas e os chapéus-de-coco. Com os braços fechados, a peça tem cerca de 35 cm de largura, uns 28 cm de altura e 5 cm de profundidade.

     Constituindo uma tipologia relativamente comum a nível europeu no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, este tipo de bengaleiros de parede costumavam apresentar o elemento central decorado com representações de carácter meramente ornamental, tais como paisagens bucólicas, animais, elementos florais, etc. Neste caso, esse elemento apresenta-se totalmente revestido com um tecido vermelho e exibe, ao centro, um pequeno retrato fotográfico, a preto e branco, de formato elíptico (colocado na vertical), protegido por um vidro. Emoldurado por um cordão de tecido vermelho, com doze pequenas voltas, esse retrato apresenta-nos um homem de meia-idade, com pêra e aprumado bigode de pontas enroladas, trajando casaca, camisa, laço e flor na lapela.

     Apesar de não haver qualquer inscrição que identifique o retratado, não é difícil reconhecer a inconfundível figura do republicano António José de Almeida (1866-1929), 6.º Presidente da República Portuguesa. Nascido numa aldeia do distrito de Coimbra, no seio de uma família modesta, António José de Almeida formou-se em Medicina e desde cedo abraçou os ideais republicanos, usando os seus dotes de orador para se afirmar como uma das principais figuras do Partido Republicano Português, ainda em plena monarquia. Após o 5 de outubro de 1910 desempenhou funções como deputado e chegou a ser Ministro do Interior. Finalmente, foi eleito Presidente da República em 5 de outubro de 1919, sucedendo a João do Canto e Castro (cujo mandato durou menos de um ano). Não obstante a conjuntura adversa em que governa, marcada até por episódios sangrentos como o levantamento de 19 de outubro de 1921, António José de Almeida entrará para a história como o único Presidente da 1.ª República Portuguesa (1910-1926) a conseguir cumprir na íntegra o seu mandato de 4 anos. Deixou o cargo a 5 de outubro de 1923, sendo sucedido pelo algarvio Manuel Teixeira Gomes.

     Não sabemos ao certo a quem terá pertencido ou onde terá estado originalmente colocado este bengaleiro ornamentado com uma fotografia de António José de Almeida, mas seguramente teremos de imaginá-lo na residência de um republicano convicto e que era, simultaneamente, admirador da personalidade e percurso político do retratado. Só uma figura com estas características poderia ter colocado à entrada da sua residência, num lugar de destaque como era o bengaleiro onde os convidados deixavam os seus pertences ao chegar, uma fotografia de António José de Almeida. Poderia considerar-se a hipótese de se tratar de uma peça destinada a estar exposta numa qualquer repartição pública e, nesse caso, datável do período em que o retratado desempenhou o cargo de Presidente da República, mas essa leitura parece ser desaconselhada pelo facto de a figura não se apresentar com as insígnias geralmente associadas ao Chefe de Estado. Por isso, o mais provável é que este bengaleiro tenha pertencido a uma residência particular e que tenha sido encomendado antes mesmo da eleição do retratado como Presidente da República.

     Peça curiosa e de características invulgares, datável de um período socialmente conturbado da nossa História, este bengaleiro carrega uma forte leitura simbólica e mostra-nos como as paixões e convicções políticas se patenteavam também no espaço privado das famílias portuguesas.

     Esta peça integra o espólio que, em 2004, foi doado ao Museu Municipal pelo benemérito José de Mendonça Furtado Januário (popularmente conhecido como Zezinho de Beja).

     (Museu Municipal de Tavira, MMT4332)

Altura: 
280mm
Largura: 
350mm
Espessura: 
50mm
Proveniência: 
José de Mendonça Furtado Januário, popularmente conhecido como Zézinho de Beja
Materiais: 
Século: 
Século XIX - XX
Localização: